The Project Gutenberg EBook of Memorias de um pobre diabo, by Bruno Henriques de Almeida Seabra This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included with this eBook or online at www.gutenberg.net Title: Memorias de um pobre diabo Author: Bruno Henriques de Almeida Seabra Release Date: April 6, 2010 [EBook #31906] Language: Portuguese Character set encoding: ISO-8859-1 *** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK MEMORIAS DE UM POBRE DIABO *** Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images of public domain material from Google Book Search)
MEMORIAS
DE
UM POBRE DIABO
POR
ARISTOTELES DE SOUSA.
RIO DE JANEIRO
LIVRARIA LUSO-BRASILEIRA
30—RUA DA QUITANDA—30
MEMORIAS DE UM POBRE DIABO.
Typographia—PERSEVERANÇA—rua do Hospicio n. 91
1868
MEMORIAS
DE
UM POBRE DIABO
POR
ARISTOTELES DE SOUSA.
ARISTOTELES DE SOUSA.
Do autor.
RIO DE JANEIRO
LIVRARIA LUSO-BRASILEIRA
30—RUA DA QUITANDA—30
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Pobreza não é vileza. Aviados andariam os vicios se fizessem conta dos pobres. Por não ser a pobreza vicio, fogem della, até os... escriptores... E como esperar um pobre diabo que outrem, que não elle, escreva suas memorias?
Responda o respeitavel—Publico—, sujeito em quem nesta occasião não descarrego a mais tremenda das descomposturas por amor á vazão deste livrinho. Cá me fica ella, porém, de reserva para quando eu haja de escrever algum juizo critico sobre alheia obra.{6}
Eis ahi o que é um prologo; em latim—exordium, em francez—avant-propos, no alemão—Einleitung, no inglez... foolery, e em as outras linguas como queiram, excepto no grego quê por fôrça será pro-logos, de logos discurso, pró antecipado, para se não dizer que embaço.
Este prologo e os capitulos seguintes são escriptos em portuguez, com perdão do meu professor de grammatica.{7}
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Vim á luz ao pôr do sol, minutos antes do toque das Ave-Marias. Hora fresca. No anno em que nasci, não appareceu nenhum cometa por cima de mim. Não requeri para vir á luz e, ai de nós! se o nascimento dependesse de um—como requer!—A esta hora meio mundo não teria feito a barba.
Do dia do nascimento aos meus oito annos de idade, deram-se mil e uma circumstancias; notem que não digo—pormenores e aprendam a evitar um hespanholismo.{10}
Aos doze annos lia, escrevia, contava e até grammaticava, se dou crédito ao attestado do meu professor, que, nesse tempo, escrevia deste modo—proFeçôr.
Ainda noje não atinei como aprendi a lêr, a escrever, a contar e a grammaticar com um professor, que lia Simeão da Nautica em vez de Simão de Nantua, orthographava professor d'aquelle modo, contando pelos dedos quando sommava 3+2+5?!
Tambem já não tinha medo de almas do outro mundo.
Ouçam isto:
—Senhor meu sobrinho! abeire-se cá, sommemos as nossas contas. Ha dous mezes esteve vossê de cama, em risco de morrer entrevado, consequencias das suas sahidas de casa a deshoras; pondo novamente os{11} pés na rua foi contrahir uma divida na importancia de oitenta e cinco mil e quinhentos réis; aqui tenho a nota:
1 | Vestido de cambraia de côr com babados. | 15$000 |
1 | Chale de lã e sêda. | 10$000 |
Dinheiro pedido. | 6$000 |
|
Juros. | 2$000 | |
2 | Pares de chinelas de saltinho. | 6$000 |
1 | Peça de morim francez. | 8$000 |
1 | Vidro d'agua de Colonia. | 1$500 |
1 | Dito de Patchouly. | 1$000 |
1 | Pente de tartaruga (imitação). | 10$000 |
1 | Pote de pomada. | 1$000 |
1 | Par de brincos (ouro de lei). | 25$000 |
Rs... | 85$500 |
pagos por mim ao Sr. Moreira, por honra das cinzas de meu irmão. Não satisfeito com esta compra, que vossê diz ter feito para seu uso, como se eu fosse algum pato, ave a mais estupida dos gallinheiros, tanto assim que sempre ouvi chamar pato a quem se deixa levar, sobretudo, pelos não me-deixes de certas mulheres; não satisfeito, dizia, ha oito dias recebeu vossê uma sova de peias,{12} em resposta aos desaforados versos que dirigio á santa mulher do honrado visinho o Sr. Onofre. Somme as parcellas, subtrahindo a sova a seu favor, e veja quanto me resta? O embolso é a sua entrada para a escola de aprendizes marinheiros.... Vá aprender a ser homem....
—E os meus estudos, tio? balbuciei.
—Os seus estudos! replicou elle; o que estuda vossê?
—Oh tio! o latim....
—Sim, o latim.... ha quatro annos anda vossê estudando o latim; e o que sabe delle?
—Já declino os nominativos, tio....
Que vergonha! eu chegava aos 16 annos!
O excellente velho era homem de têmpera austera, não lia os jornaes. Se os lesse teria visto que eu, apezar de haver gasto quatro annos para no cabo chegar aos nominativos da artinha, por outro lado, dava provas do meu talento.{13}
N'aquella idade já o Camarão e o Lagarto, periodicos literarios, artisticos, politicos e burlescos publicados então, chamavam a attenção dos leitores, o primeiro para o meu artigo intitulado O homem deve ser sceptico e o outro sobre a minha poesia—Ella (á qual meu tio alludio quando fallou na santa mulher do nosso honrado visinho o Sr. Onofre).
O meu primeiro escripto que andou em letra redonda foi o artigo. Quem conhece o gigante pelo dedo, conhecerá o artigo inteiro por este começar:—«Eil-o cabisbaixo e taciturno fitando o horisonte da existencia... Esqueleto de crenças resequidas, elle descrê da luz e das trévas, de si e de todos, etc.»
O Camarão, sem inquirir como póde a gente cabisbaixa fitar o horisonte da existencia, e muito menos a que animal pertencera o esqueleto de crenças resequidas, rematava o encomio ao artigo com estas palavras de arromba:
«É de crêr que o joven e talentoso escriptor com o andar do tempo modifique as doentias idéas, prematuramente bebidas nas fontes de Benedicto Spinosa, J. J. Rousseau,{14} Claudio Helvecio, e outros materialistas. Asseveramos, no entanto, que se este artigo levasse o nome de um destes autores—seria uma faisca electrica lançada no meio da sociedade; tal é o vigor dos seus paradoxos...»
Muito obrigado, aos Srs. Redactores do Camarão.
Quando escrevi—O homem deve ser sceptico, eu sabia onde ficava a fonte de Helvecio, Rousseau, Spinosa e outros, que o Camarão conhecia igualmente, como no Japão a esta hora se sabe que hontem chegou o vapor do Norte! Mas tal nomeada de literato consummado ganhei na opinião dos ledores do Camarão, que a redacção do Lagarto, receiando desequilibrar a prosperidade, poz logo á minha disposição todas as suas columnas.
Respondi á offerta enviando a minha—Ella.
Tres dias depois, corria ella o mundo,{15} inserta na 1.ª columna do 1.º numero da 2.ª serie do periodico, levando na cabeça este chapelinho:
«—A redacção do Lagarto sente ineffavel satisfação dando aos seus assignantes a grata noticia de haver o muito talentoso, muito sympathico e já assaz conhecido autor do—Homem deve ser sceptico, honrado as humildes columnas do nosso periodico com o prestigio do seu invejavel nome. A poesia abaixo inserta, verdadeiro primor da imaginação, fôra o melhor padrão da gloria de Petrarcha, se Petrarcha a escrevesse. Felicitamo-nos, pois, reconhecendo que o mavioso poeta deste torrão, reune em si conjunctamente as qualidades dos cysnes do Senna, do Tejo, de Thebas, de Albião, de Torento, da Ausonia, etc.»
Leiam a primeira estrophe d'ella:
—Não sei dizer se a flôr da larangeira
É tão formosa, tão gentil, tão bella,
Como a flôr do jardim da phantasia,
A flôr do meu amor, a minha—Ella...
Quem souber, diga.
Vim a saber mais tarde que cysne Ausonio{16} queria dizer—Virgilio; cysne de Torento—Torquato Tasso; Cysne de Albião—Miltão; cysne de Thebas—Pindaro; cysne do Tejo—Camões; cysne do Senna—Lamartine; cysne da... n'uma palavra, que todos os poetas tem o seu quê de pato.
Peroremos: meu tio não tentára torcer a minha vocação se lesse os jornaes, ficando provado que se ella fosse outra e não a pessoa da Sra. D. Balbina, santa mulher do Sr. Onofre, de memoria não saudosa para meus ossos, eu não teria levado a sova de peias estreando na poesia.
—Do berço á tumba só padece o genio!
O irmão de meu pai não faltava quando promettia.{17}
Era seu dizer de todos os dias que o cumprimento devia andar nas ancas do prometter, (ditado da maior embirração dos ministros).
Prometteu-lhe no domingo, cumprio na segunda.
Sahia-me eu lepido com a artinha debaixo do braço.
—Aonde vamos? pergunta.
—A aula; respondo.
—Não senhor, não é a aula, vamos para o arsenal de marinha... marche...
—Eu juro ao tio... gaguejei, esfregando os olhos com as costas da mão, de ora em diante estudar, como se fosse um boi...
Tinham-me contado que se os bois fossem homens seriam grandes letrados.
—Para boi caminha vossê, replica elle, que para bezerro não lhe falta nada.
Já estavamos no meio da rua. E a mulher do Sr. Onofre na janella.
Nem de caso pensado, meu tio foi em direitura. Eu tinha desejado o contrario... n'aquelle dia bastava eu desejar, para succeder ás avessas, fosse o que fosse.{18}
—Bom dia, vizinha; disse elle parando a um metro de distancia.
—Deus lhe dê o mesmo; respondeu ella.
—O vizinho Onofre, está?
—Sahio.
—Tinha a dar-lhe boa noticia.
—Que noticia é, então?
—A da entrada deste meco para a companhia de aprendizes marinheiros... além de outros, pelo atrevimento... a vizinha bem sabe...
Para encobrir o pudor, que me colorio as faces, abri a artinha fingindo declinar o servus servi, observando de esguelha a vizinha.
—Por isso não vá agora o vizinho, acudio ella medindo as palavras, desencaminhar o moço dos estudos.... sabe que... repelli o atrevimento... Disse—repelli—em tom menor.
—Desencaminhado anda elle, ha muito tempo, tornou meu tio... Ainda hontem, fui saber no mercado que o nome deste madraço já corre em letras de fórma.{19}
O Sr. Onofre apontou na esquina.
Patife!
—Perguntava pelo vizinho.
—Apre! diz o Sr. Onofre, já não se póde em dias de hoje comer farinha... cára como o assucar... Como vai o rapazete? (continua, dirigindo-me a palavra).
Não me pude conter. Tudo quanto quizesse, menos rapazete diante da mulher.
—Sr. Onofre, investi, veja como falla!... Rapazete foi o senhor quando tinha 16 annos; eu aos 16 annos não sou rapazete, sou um homem de muito talento e escriptor de boa nota e como tal reconhecido pelo Camarão e pelo Lagarto, fique sabendo, se não sabe lêr. Se o senhor me chama rapazete porque não tenho barbas, saiba que não faço caso de cabellos, desses distinctivos do toucinho ordinario, e que não tenho barbas porque não as quero ter. E de mais, assim como ha mulheres as quaes não sendo do genero{20} masculino têm barbas, de igual modo, ha homens os quaes não sendo do genero feminino não as têm...
Os circumstantes pasmaram.
De relance, pensei que meu tio gostara da resposta, quando... zás... atira-me uma tapona, verdadeira tapona, tapona com todos os ff e rr e mais esta addenda:
—Leve, malcriado, para môlho do Camarão mais do seu Lagarto.
Atirando o Antonio Pereira pelos ares, deixando voar o chapéo, deitei a correr pela rua fóra, enfiando-me pelo primeiro becco, como navio fugindo do temporal pela primeira enseada.
Abençoado becco!
Abençoadas pernas!
Abençoados oitenta e cinco mil e quinhentos réis, pagos por meu tio ao Sr. Moreira!
Abençoado tambem seja o dito Sr. Moreira, pelo bom conceito, que fez do meu credito!{21}
Bem empregados oitenta e cinco mil e quinhentos réis dispendidos comtigo,—Aurora!
Na aurora da vida, ao alvorecer do amor, a primeira mulher que amei chamava-se—Aurora!
Como é poetica esta coincidencia, e como ficou bem phraseada! Quando eu for homem celebre ahi fica o thema para uma Epopéa.
Aurora morava no becco!
Relatei-lhe a occurrencia, guardando reserva ácerca da tapona.
Para ganhar mais no seu coração, fallei nos oitenta e cinco mil e quinhentos réis, acrescentando, se eu tal adivinhára houvera empenhado na loja do Sr. Moreira todos os teres e haveres de meu tio.
O galanteio influe naturalmente no coração da mulher, soube aos 16 annos, antes de saber latim, e, conseguintemente, antes de lêr Ovidio.
O numero do Camarão onde vinha inserto{22} o meu artigo O homem deve ser sceptico, e o do Lagarto onde vinha a Ella, andavam comigo como talismans. Tirei do bolso o Lagarto e dei a Aurora para lêr os versos, declarando serem feitos quando pensava n'ella.
A rapariga ainda ignorava mais essa prova de amor, (que tão cara me sahira quando a dei á visinha).
A ultima quadra commoveu-a de uma vez: tambem era o sentimentalismo metrificado.
Que peito de mulher não commoverá esta quadra:
«Sê minha? Serei teu.... abre-me os braços....
Voemos deste mundo.... Sacuras
Fujamos do paul.... vamos, querida,
Fazer o nosso ninho nas alturas?!
Aurora lia soletrando palavra por palavra. Quando acabou de lêr eu estava com fome. Davam tres horas da tarde:
Eu contava 16 annos.
Aurora cerca de 26. {23}
Meu tio ignorava o rumo, que eu tomara, em seguida a tapona; Aurora não tinha a quem désse contas do rumo e nem quem lhe désse taponas.
Eu precisava de credito no coração de Aurora; Aurora creditava meu amor...
N'uma palavra, se me afiançam dous dias, tão saudosos, como os que passei ao abrigo de Aurora, vá feito, aceito uma tapona de tres em tres dias... Não posso ser mais rasoavel.
Verdade lizas diziam os antigos, diziam elles: hospede ao terceiro dia fede.
Na casa do proprio amor, tres dias depois, não cheira o hospede.
Ao quarto dia, me disse Aurora:
—Não te amuas comigo?
—Porque? perguntei.
—Se eu te disser a verdade?
—Não.
—És um empecilho...
—Só?{24}
—E é pouco?
Era de facto assaz. Puz-me a pensar.
—No que pensas? tornou ella.
—Na cousa mais simples deste mundo.
—Qual?
—N'um chapéo...
—Por fallares em chapéo, de quem será um, que anda pelo sotão?
—Poderá ser meu... anda vêr...
A rapariga não se deixou rogar. Lesta foi, lesta voltou.
—É justamente meu, clamei, antes de pôr o chapéo na cabeça.
O chapéo era tanto meu como de quem me ouve. Ficava-me na cabeça por muito obsequio.
—Acautela-te, acudio Aurora, olha que elle quer subir...
—Aurora, lhe disse com seriedade, toma um beijo... é tudo quanto posso dar-te, como lembrança de minha gratidão...
Ao proferir a palavra gratidão—cresceu-me o nó da garganta.
—Não me deves nada, meu querido, respondeu a meia voz. Eu sinto muito mas... tu sabes...{25}
—Sei... tens razão... adeus...
Beijamo-nos...
—Tornas ao tio?
—Torno.
Sahi.
—Pois, se tornares ao tio, rematou ella fechando a porta, apparece por aqui de quando em quando...
—Se tornares ao tio, repeti a mim mesmo, sim! se tornares ao tio, isto é, quando tiveres casa, a minha estará as tuas ordens... Agradecido, Aurora.
No entanto, Aurora tinha coração.
Assim houvesse ella juizo.
Entrei em casa com cara de quem voltava da missa.
Meu tio estava almoçando.
—Quem é? perguntou ouvindo os meus passos, e sem volver os olhos.
—Sou eu... tio... respondi, entre dentes.{26}
—Quem?
—O Sr. moço; respondeu por mim Nicoláo.
—Senta-te, meu filho; o almoço não se diminuio, nem o jantar... nem o amor. Disse com natural bondade.
A minha cadeira estava como d'antes á sua esquerda, o talher e o prato no lugar do costume.
Sentei-me e cruzei os braços como um penitente.
Meu tio continuou a almoçar sem dar palavra.
Eu tinha almoçado no becco...
Nicoláo trouxe a nata, sobremesa que meu tio nunca dispensava ao almoço. Regeitou-a. O preto carregou as sobrancelhas admirado. Pôz-lhe o café na chicara; sorveu-o e, emfim, levantou-se.
Levantei-me tambem.
—Agora venha esta sobremesa, melhor que todas as natas, disse abrindo os braços.
Atirei-me n'elles como o prodigo nos de seu pae.
Solucei devéras, pela primeira vez em dias de minha vida.{27}
Tambem pela primeira vez a modo que vi lagrimas nos olhos de meu tio.
Este capitulo ia tomando fórma de eça?
Nasceram-me n'aquelle dia os dentes do siso.
Oito mezes depois, fui examinado e aprovado cum laude em latim e francez. Após dous annos, em geographia e historia, philosophia, rhetorica e lingua tupy. Presidio aos exames um bispo.
As pitadas de algebra e geometria, inglez, physica e chimica, tomei-as mais tarde aqui no Rio de Janeiro.
Reunindo tudo o que sei, fico sabendo conscienciosamente que careço aprender tudo de novo, menos o methodo de passar por sabio.
Os ultimos dias dos meus dezenove annos correram nesta côrte.{28}
Meu tio já havia fallecido quando deixei o torrão natal:
A santa mulher do Sr. Onofre enviuvado segunda vez:
O redactor em chefe do Camarão, pedido demissão de supplente de delegado de policia, por desaccordo politico com o redactor do Lagarto, que se fizera genro do delegado.
Se as cousas não pararam alli, a esta hora o delegado está avô de alguns netos, estes inspectores de quarteirão e a Sra. Balbina viuva pela quinta vez.
Mulher de nome Balbina, perca as esperanças, comigo não casa.{29}
{30}
{31}
Devo muito ao Rio de Janeiro, não é por estar na sua presença.
Ha um sentimento que eleva o cão acima de muitos homens: o reconhecimento do bem que se lhe faz.
Verdade, verdade; por esse lado, corro parelhas com a parentella de Pythagoras, cada vez mais numerosa, apezar das bolas.
Quando cheguei a esta capital, contava ella apenas seis peccados mortaes; dias depois, prefazia o numero dos indicados na cartilha.{32}
Não vim prefazer o setimo, como já pensaram; foi o ministerio n. 7, que se criou depois da minha chegada.
De haver a minha estrella influido para essa criação, é que não é nenhum juizo temerario, caipora depois de mim, só eu mesmo.
Isto não é politica.
Lembro-me que o programma do Camarão rematava assim (vide esse periodico n. 1, I.ª colum. ultimas linhas).
«Não somos politicos; a politica é uma escada; os tolos são os degráos por onde os ladinos sobem....»
Bem bonita definição.
«Não somos tão tolos, continuava a rezar o programma, que de nós deixemos fazer degráos, nem tão ladinos que queiramos subir.»
Linda epigraphe para a testa de um jornal intitulado O modesto.
E, pois, nunca fui tão tolo nem tão ladino, isto é, politico.
O que eu aspirava ex-corde, dos seios da alma, como hoje dizem, dando a alma a propriedade de amas de leite, era ser literato.{33}
Ser literato... fosse como fosse, custasse o que custasse, desse no que desse, era o meu diuturno desejo.
Sahi do torrão natal no firme proposito de estudar mathematicas e os primeiros livros que comprei nesta côrte foram o Diccionario poetico, por Candido Lusitano e o das Rimas por Beltrano de Tal Guerreiro.
Eu era um montão de poetas a um só tempo, não se enganara o Lagarto.
Todas as paixões me ferviam dentro da alma, como a um tempo fervem muitas panellas n'um só fogão.
Na segunda feira, eu era poeta sceptico e crente; na terça, ascetico e materialista; na quarta, pudico e licencioso, e d'ahi até o domingo, mais seis poetas extremamente oppostos.
Animações choviam.
Os jornaes diarios e periodicos, a partir dos mais rispidos e terminando na benevolentissima Marmota Fluminense, me gritavam avante!{34}
Se eu dava á luz uma poesia recendendo scepticismo—é Byron, é Voltaire... diziam elles; se asceticismo—é o novo padre Caldas, é Racine (pai e filho), é o nosso David... se materialismo—é, outra vez, Byron, Piron, Parny... se tristeza—André Chénier e mais quatro; se facecia—é Bocage, Diniz e não sei quaes mais... se pudicicia e amor, não tem que vêr,—é Bernardim Ribeiro e até Sapho! se epigramma—é Juvenal, é Marcial, é Nicoláo Tolentino e mais tres vivos, sendo um destes o meu amigo Faustino Xavier de Novaes... se... o menos que me chamaram foi Homero!
E o echo repercutia pelos angulos do imperio—Homero!
Estavam cumpridas as prophecias do Camarão mais do Lagarto: na minha vanguarda não se via outro literato mais consummado.
E quando ao por do sol, do postigo das minhas aguas-furtadas, eu percorria in mente as paginas da literatura de todas as nações partindo do 1.º até o 19.º seculos, eu desdenhava os genios com a sobranceria do Pão d'Assucar contemplando as microscopicas ilhas{35} dispersas pelo oceano, como pés de repolhos á tona d'agua.
Aos vinte e dous annos colleccionei meus manuscritos que, impressos, dariam tres volumes, inclusive versos e prosas, romances e dramas, comedias e algumas maximas.
Dirigia-me ao prélo com os originaes do primeiro volume (poesias), quando encontrei o maior enthusiasta e admirador do genio que o céo cobre, moço de 25 annos de idade, bacharelado em letras pelo collegio de Pedro II.
—Que andas fazendo, meu poeta? perguntou elle.
—Vou á typographia, respondi.
—O que estás imprimindo?
—As minhas obras, disse enchendo a bocca....
—Meus parabens, a ti e ao Brazil. Ora, graças a Deus! vamos ter uma literatura patria.{36}
Enguli a pilula sem difficuldade, como outros muitos a—tem engulido depois de mim.
—Quantos volumes?
—Tres.
—Só?! clamou admirado.
Como se aos vinte e dous annos de idade tres volumes de asneiras não bastassem.
—E quando sahem?
—Breve, aqui levo os originaes do primeiro volume.
—Permittes?....
—Pódes vêr.
O bacharel, meu amigo e enthusiasta, depois de varrer duas vezes com os olhos os originaes, assim se exprimio, como quem entendia do riscado.
—O titulo abrange o totum; direi até—este titulo foi inspirado e leu.
«Horas incertas
Versos, prosas e comedias,
Dramas, maximas e pensamentos
do
Exilio.»
—É como digo, proseguio; isto que é{37} saber achar um titulo. Horas incertas! quanta profundeza nestas duas palavras horas incertas!... Se as horas da vida são incertas, mais incertas são as horas do genio....
(Sim, porque o genio não tem horas certas, é da sua indole não saber nunca a quantas anda.)
—Concedes-me uma observação.
—Faze-a.
—Gósto de tudo isto, tudo isto é grande, menos a epigraphe. Esta epigraphe não cabe nas obras de um genio.... E leu a epigraphe:
«Joios da adolescencia levados á praça pela precisão.»
—Joios! chamar joios a um celeiro de trigo são! e depois, levados á praça pela precisão! que significa isto?
—Eu te explico....
—Não pergunto por ignorar o teu pensamento; sinto-lhe a essencia; sei o que tu queres dizer: levados á praça pela precisão, todos entenderão a elipse, pela precisão de... voar... sim, de voar, porque o genio precisa voar como a aguia, como o condor. Os malevolos, porém e invejosos cujas linguas{38} não poupam os genios, esses dirão ser a precisão de dinheiro, apezar de todos saberem que tu de dinheiro não precisas...
Estavam adiantados! era justamente do que eu mais precisava[1].
—Ou precisas? perguntou com ar de quem responderia sentir muito não me poder servir na occasião, se lhe eu respondesse pela affirmativa.
—Ora... desdenhei. Eu lá careço de dinheiro!
—Se precisas, tornou animadamente, não faças ceremonia comigo.
E sem esperar pelo muito obrigado, continuou.
—O estylo é o homem, disse Buffon; por minha vez tambem digo: o nome do autor é a epigraphe do seu livro; tu não te deves rebaixar deitando outra epigraphe nas tuas obras que não teu proprio nome.
Á vista disto, chegando ao prélo borrei a epigraphe.{39}
Já se achava quasi finda a impressão do primeiro volume, quando em um bom dia recebi este bilhete traçado a lapis:
«Illm. Sr.—Vou suspender a impressão das suas poesias, até que V. S. satisfaça a importancia de 113$500 das ultimas folhas impressas.»
Subi ás nuvens. O recadinho vinha escripto no reverso da prova de uma das minhas mais mimosas poesias.
Tomei a penna e desanquei o recado com esta resposta:
«Illm. Sr.—Que eu deva não admira, todos os autores celebres têm contrahido dividas com a imprensa, e sabem todos que a machina inventada por Guttemberg não é simplesmente machina de imprimir, é tambem machina de abonar o credito dos homens. O que, porém, admira até os calcanhares é um sectario de Guttemberg menospresar a seiva, digamos assim, de que se nutre a imprensa, isto é, os fructos da intelligencia. V. S. é um renegado, queira perdoar. Commetteu{40} crime de leza-literattura-nacional traçando o seu recado nas costas, digo, no reverso da prova da minha poesia intitulada a Piroga! Suspenda, portanto, a continuação da impressão do meu volume, até minha segunda ordem.»
Levou a lição!
Em verdade, eu devia ao prélo cento e treze mil e quinhentos réis.
Do que me gabo hoje é que, actualmente nas typographias, o credito dos escriptores não monta áquella quantia.
—Diabo!.. ruminei, alguns jornaes já annunciaram o proximo apparecimento de minhas poesias: se não satisfaço a conta pára a impressão; se a impressão pára, começam os typographos a decorar os versos impressos... elles então que são cantadores de modinhas! e decorados, adeus novidade! Ruminando na solucção do imprevisto embaraço, fui interrompido pelo padre Severino. Conhecem-o?
Eu tambem já o-conhecia.{41}
O reverendo entrou pelo meu habitaculo clamando:
—Leva-me preso comtigo
N'um fio dos teus cabellos!
—Glose este motte, meu poeta.
Nós já nos não respeitavamos.
—Ouça isto, foi proseguindo:
Não se sabe apartar quem ama e pena,
E quem nisto é mais fraco, este é mais forte;
A dôr da mesma morte é mais pequena,
Que quem morre melhora muito a sorte;
Quem morre acaba o mal, quê toda a pena
Dura co'a vida sem passar da morte:
Maior pena padece o que está ausente,
Pois morre de saudade e morto sente.
—O que acha?
—Que li algures...
—Onde homem? isto é meu e muito meu. Pensa vossê que só faz versos? Por mais prosa que a gente seja, batendo-lhe devéras o coração, torna-se poeta. Adivinhe o que me succedeu?
—Suspenderam-lhe as ordens...
—Assim fosse; cousa mais seria; partio para a Bahia a Mariquinhas...{42}
—Qual dellas? o padre falla em tantas...
—A da rua da Lapa, a unica Mariquinhas, que tenho confessado, de olhos azúes. O marido foi removido.
—Coitado do homem!
—Faça idéa do meu pezar ao receber esta noticia, chegando hontem de Petropolis.
—Avalio!
—Vossê, deve escrever um artigo contra o ministerio, tosando a valer o ministro da fazenda. Isso é cousa que se pratique, remover d'aqui para alli e sem porquê um pobre empregado publico?
—E de mais a mais casado!...
—E querem moralidade, e exigem honradez da pobreza obrigando-a a fazer sacrificios... escreva o artigo, mostre tambem saber prosa.
—Mas, padre, porque não o-escreve vossê, que é o interessado?
—Muito obrigado! então vossê porque não é padre, não se interessa pelos seus semelhantes?
Non sibi soli se natum homo
Meminerit...
Seja menos egoista meu poeta, e glose o motte:{43}
Leva-me preso comtigo
N'um fio dos teus cabellos,
que é para eu remetter com aquella oitava a Mariquinhas. Quero uma decima triste, triste como o miserere.
—Temos outra. Pois se o padre é quem está triste, porque não compõe a glosa?
—Porque tenho que pregar um sermão na quinta-feira, o vapor sahe amanhã para a Bahia e hoje é terça.
—Pois eu, reverendo, não terei cabeça para glosar motte algum, emquanto não resolver este problema: cento e treze mil e quinhentos réis, que devo, estão para o que tenho, como o que tenho está para X...
E ficamos a olhar um para o outro, durante cinco minutos.
—É como conto, tornei interrompendo o silencio, devo cento e treze mil e quinhentos réis e não possuo um real para chamariz dos outros.
—A quem deve?{44}
—Á typographia onde estou imprimindo as minhas poesias.
—Vossê ha de ter algum amigo, que lhe empreste essa quantia, nem por isso é grande.
—Empresta-m'a o padre?
—Eu? pobre de mim! Meu caro, nós os padres não ganhamos, como vulgarmente se pensa, mundos e fundos. Quantas vezes tenho, em vez de encommendar á Deus, encommendado ao diabo algumas almas... uma encommendação por dous mil réis só feita ao diabo! Já não se póde viver nesta côrte, acredite-me, encommendando; e por fallar nisto, vou vêr se fallo ao vigario capitular, quero conseguir ao menos, a nomeação de vigario encommendado. Até breve, meu poeta. Tomára já vêl-o em outra posição.
E sahio.
E que me dizem?...
Suggerio-me á mente uma ideia a visita do padre. Havia elle, dias antes, publicado{45} um estirado artigo relativamente á instrucção publica e com particularidade á desmoralisação do clero. Quanto a esta não sei se fallou de cadeira, lá quanto á instrucção deixou impressas mil barbaridades.
—Se o conselho da instrucção publica, pensei, mandasse admittir nas escolas as minhas maximas? E porque não? As de La Rochefoucauld são muito sediças; as do marquez de Maricá inadmissiveis por extensas; as de Vauvenargues ninguem ainda leu; as do conselheiro Bastos ultramontanas exageradas; as de Montesquieu são carapuças politicas; as... as minhas são modernas... e, approvadas pelo conselho da instrucção publica, editores não faltarão.
Estava dada solução ao embaraço dos cento e treze mil e quinhentos; vendi, in-mente, a primeira edição das maximas.
Nesse mesmo dia fiz o requerimento ao conselho da instrucção publica remettendo os originaes. As sommas das maximas montava ao numero 1250, sendo algumas rimadas e outras anotadas—entre parenthesis.
Apreciem-me por esse lado, emquanto avio a lavadeira, que chega a pello.{46}
A VIDA:—A vida é um pique-nique, e nós, ainda os mais refinados caloteiros, havemos de pagar o nosso escote á morte.
(Para these dos sermões de quarta feira de cinza não conheço outra. O memento homo já não produz nada...)
VERDADE:—Uma verdade é uma mentira ás avessas.
(Difinição a mais clara possivel).
DISPENSA:—[2]A mulher que pensa
Engorda a dispensa.
(E a familia toda. Na casa das minhas avós até as baratas da dispensa eram gordas, não fallando nos ratos).
AMOR:—O amôr
Não tem côr.
(Neguem, se são capazes).{47}
AMAR:—Quem ama perdoa,
E não vive á toa.
CIDADÃO:—O cidadão deve ser para a patria o que o menino é para a escola.
(Conhecem moralista mais governista?)
FALLAR:—Quanto menos fallares ao jantar,
Menos fome terás ao ceiar.
(Lição altamente economica).
CHÁ DO VISINHO:—Ha pessoas que tem quebrado muitas abas de chapéo fino e sujado muitas luvas de pellica—pela obrigação de uma chicara de chá do visinho.
(Conheço tres duzias).
PROSPERIDADE HUMANA:—Prosperaria mais a humanidade, se os padres semeassem trigo em vez de absurdos.
(Não creio nisso; escrevi a maxima para bolir com o padre Ventura, que então ainda vivia.)
CONDECORAÇÕES:—Se as condecorações estimulassem o caracter para o bem, a esta hora no Brasil não haveria máos caracteres.{48}
(Negarei a paternidade desta maxima, quando fôr commendador).
BAPTISMO:—O baptismo só é util pelo lado da estatistica.
(Esta é para bolir com o padre Severino.)
ATHEO:—O atheo é um ente tão desprezivel, que, não achando entre os homens quem queira ser seu inimigo, faz-se inimigo de Deus.
(Esta salva as memorias da condemnação do index).
& & & & & & & & & & & &
Primeiro que as maximas obtivessem despacho, recebi da minha terra uma carta do muito probo Sr. Silva, cognominado pelo vulgo o tira pelle, negociante com armazem de seccos e molhados na travessa da Forquilha.
Recommendo este estabelecimento aos que procuram do bom e barato.{49}
O vulgo, que sempre ha de mostrar ser vulgo, cousa baixa e vil e mais baixa e mais vil depois das eleições concluidas, cognominára tira pelle a esse honrado cavalheiro por um facto, que, em seu nome, justificarei.
O Sr. Silva nunca tirou nem pretendeu tirar o couro, quanto mais a pelle, á ninguem.... obrigaram-o a isso.
O meu amigo, actualmente negociante matriculado, começou a vida refinando assucar. Honra lhe seja feita, antes principiar a vida refinando assucar do que leval-a ao cabo na qualidade de refinado vadio, ou refinadissimo velhaco.
Achava-se certa vez na sua labutação, quando apparece na cosinha um individuo, que entrou pela casa como se fosse o dono.
—Sr. Silva! diz o individuo com má catadura.
—Bom dia, Sr. Alves, acode o laborioso refinador; e foi continuando a mecher o tacho com a grande escumadeira.
—Não temos cá bons dias! replica Alves. Quero que diga, quantas arrobas de mascavo-claro mandei refinar.
—Cinco, respondeu o refinador.{50}
—Justas, cinco; e quantas enviou?
—Quatro e meia.
—Justas, quatro e meia. Quatro e meia, sim, quatro e meia.... porém, duas e meia de assucar e as outras do que, Sr. Silva?
—Tambem de assucar, está claro.
—De assucar.... de assucar, êim, Sr. Silva? Digo-lhe, todavia, que entendo de refinação....
—Não duvido.
—Duvide ou não duvide, o que digo, digo. E quando digo que cinco arrobas de assucar são cento e sessenta libras, é porque sei que uma arroba, seja lá do que fôr, tem trinta e duas libras. Ora, sendo certo, como é incontestavel, que cada arroba de mascavo-claro perde na refinação, quando muito cinco libras, é porque tambem sei que em cinco arrobas perderá vinte e cinco, já que a taboada quer que cinco vezes cinco sejam vinte e cinco.
—Noves fóra sete, diz rindo-se Silva.
—Não preciso que o senhor me ensine a tirar os noves fóra, o que preciso é saber como é isto....
—O que? pergunta o outro.
—Que devendo eu, por consequencia, receber{51} quatro arrobas e sete libras de assucar refinado, recebi quatro arrobas e meia?
—Está-se mettendo pelos olhos; é que mandei nove libras de mais, segundo a sua taboada.
—A taboada não é minha, Sr. Silva! brada Alves, enfurecendo-se mais. A taboada é de todo o mundo, entendeu?
—Entendi... entendi... responde o meu amigo com santa calma.
—O que é meu é o calculo, e, conforme calculei, entre as quatro e meia arrobas de assucar, foram duas de arêa, fique sabendo de arêa...
—De arêa? acode o refinador cahindo das estrelas; essa agora é sua... ou então o portador...
—Não temos aqui portador nem portadores. Os meus caixeiros são homens de bem, e o senhor devia saber que, sendo meu freguez o presidente da camara, mais dia menos dia, eu seria multado pela sua... e engulio a palavra.
—Solte a palavra... brada Silva.
—A palavra é ladroeira, responde Alves.
—Então sou ladrão? Diga, se é capaz, sou ou não sou?{52}
Alves não se intimidou e asseverou;
—É, é, e é ladrão, e ladrão refinado...
O meu amigo não podia ser mais prudente do que o foi até alli. A prudencia, porém, tem o seu termo. Alves não previu que, obrigando o honrado refinador a sahir fóra do termo da prudencia uma pollegada, sugeitava-se a receber, como recebeu, na cara a escumadeira impregnada de assucar em calda a ferver. Sem esperar repetição da dóse, Alves sahio vendendo mel ás canadas.
Quinze dias depois tinha a mesma cara, menos a pelle.
Propalado o caso, deu-se ao meu amigo o cognome citado, que nada teve com a substituição do assucar trocado por arêa, como prova a carta a qual me repórto.
Eis a carta em capitulo separado.
«Illm. Sr. (Historica.)
Presadissimo amigo.
«Inclusa remetto a V. S. uma letra saccada{53} a seu favor sobre a casa Souto & C., dessa côrte, obsequio que faço a sua madrinha de baptismo, viuva do seu padrinho, ultimamente fallecido. Sendo-lhe deixada em testamento pelo dito fallecido, pelo que aceite os meus pezames, a quantia de 450$000, a letra vai saccada no valor de 437$820 por subtração a que tenho direito de 12$180, sendo:
Direito de confiança, 2%. | 9$000 |
Sello e seguro desta. | 1$180 |
Papel e expediente. | 2$000 |
Somma... | 12$180 |
«Poupe o seu dinheiro, meu amigo, olhe que muito custa havel-o.
«Sou seu amigo e criado.»
Não foi elle quem grifou a palavra subtracção.
Quando o conselho da instrucção publica deu este despacho ao meu requerimento: «Junte o supplicante folhas corridas», eu já{54} não precisava de editor para as maximas.—Resgatado da imprensa o meu 1.º volume já corria pelo mundo.
Estava saboreando a leitura do mais pomposo elogio, que jámais se teceu a nenhum outro homem de letras, quando entrou o Sr. Gusmão. O Sr. Gusmão era typographo e trabalhava na officina onde se imprimio o volume. Vinha buscar os originaes do segundo.
—Meu caro Sr. Gusmão, assente-se, então como vai?
—Remendando a vida.
—Já leu o meu livro?
—Sim, senhor.
—Francamente, como o-acha?
—Volumoso...
—Volumoso, sim, quasi que abrange trezentas paginas. Já comecei a urdir um poema heroico.
—Que titulo?
—Homem, ainda não sei; talvez lhe ponha o titulo em lingua indigena, quero vêr se desperto a literatura nacional.
—É muito preciso.
—Se o-é. O Sr. Gusmão entende de poesias?{55}
—Gosto de lêr, sim, senhor.
—De qual genero gosta mais?
—De todos, sendo a poesia boa.
—Gosta do meu genero?
—Qual é?
—São todos, pois os jornaes não disseram que eu primo em todos os generos? Então não leu o meu livro?
—O senhor sabe, lêr é um caso e compôr é outro. Na qualidade de compositor li-o quando o-compunha, na qualidade, de leitor, propriamente dito, ainda não o-li.
—Então não sabe dizer se os versos são bons, se as rimas ricas, se é corrente a grammatica, se ha ideia...
—Mas V. S. deve estar contente com a opinião dos jornaes.
—Contentissimo. De cada vez que leio um elogio releio o volume, e quando acabo de relêr a este tenho vontade de escrever outro.
—Lá isso ha de ter.
—Diga com franqueza, nem de passagem notou tal ou qual defeito?
—Ninguem anda isento delles.
—Nos versos?{56}
—A sua metrificação é regular.
—Nas rimas?
—As rimas são toleraveis, excepto algumas como, por exemplo, nuvem com houve...
—E que diz da dicção?
—A dicção...
—Seja franco, eu não sou parente daquelle cura, que foi amo de Gil-Braz.
—Como pede franqueza direi que, se não fosse a grammatica, o livrinho podia passar incolume, mas a sua grammatica é muito differente d'aquella por onde aprendi.
—Aprendi pela do Lobato.
—Então é a mesma. Queira vêr os originaes do segundo volume.
—Ainda não os-reuni todos, volte amanhã, se não fôr incommodo. Quer fumar, offereço-lhe um charuto de Havana.
—Não senhor, obrigado, eu não fumo se não charutos de vintem.
Eu fiquei fumando...
De que lado estava a verdade, do Sr. Gusmão{57} ou dos jornaes? Afinal de contas, o typographo tinha razão. Entretanto, a primeira parte do meu celeiro de bom trigo, no conceito do meu amigo bacharel, estava esgotada!
Hoje, quando corro os olhos pelo exemplar que, por castigo, releio uma vez na semana, dirijo ao creador este acto de contricção: «Meu Deus e meu Senhor! por serdes vós, quem sois, permitti que os irmãos deste exemplar caiam todos n'uma padaria e passem para as fornalhas como auxiliares da lenha, que nesse dia cosinhe os pães! São elhas por elhas, Senhor, trigo cosinhando trigo. Amen.»
Ao outro dia recebi o Sr. Gusmão entre os braços.
—Entre, meu amigo, assente-se e conversemos. Ainda aqui está o charuto de Havana, aceite-o.
—Obrigado, mas não aceito, insistio o homem. Penso diversamente dos outros; o{58} que não posso sustentar todos os dias, não alardeio uma vez. Demais, habituado a fumar charutos de vintem, sabem-me a pessimos os de tostão para cima.
—Respeito o seu modo de pensar. Dou-lhe parte que suspendo a publicação das minhas obras.
—Então tomou a peito a opinião de um typographo?
—E o typographo não póde ter opinião aceitavel, não póde saber grammatica?
—Que opinião póde ter o homem, que anda de ventanilha? Lá quanto a grammatica devia saber. Onde me vê, com o pouco que entendo della, tenho salvo a reputação futura de muitos escriptores, aliás intelligencias brilhantes, emendando-lhes, quando componho seus originaes, erros de tirar couro e cabello...
—Ora, Sr. Gusmão, porque não emendou os meus?
—O senhor desejava um volume de trezentas paginas e se eu corrigisse os seus descuidos não ficava o livro com cem....
Apre! tambem esta foi de tirar couro e cabello!{59}
Ahi vai em italico o que devo ao Rio de Janeiro; saiba o Imperio todo:
—Devo o conhecimento do Sr. Gusmão,—que me mandou aprender—grammatica—depois dos jornaes me haverem—chamado—Homero—!
Cautela com as reputações.{60}
{61}
{62}
{63}
Cheguei ao estado de dizer com o philosopho grego:
«Omnia mea mecum porto.»
Ignoro se os gregos fallavam latim no tempo de Bias.
Cifravam-se as minhas posses em 25 annos de idade e na roupa do corpo, sendo que essa já estava fóra da moda.
O melhor excitante para o fastio do espirito é, incontestavelmente, a privação. Essa é a razão porque no vigor da idade não são os desejos vehementissimos, como aos 90{64} annos, na decrepitude, quando já se não póde com um gato morto, para não dizer gata... e isso por ser a privação, em todos os sentidos, irreparavel. Induza-se d'ahi o gráo da minha excitação, privado de meios com os quaes satisfizesse desejos, que, como vespas damnadas, me agrilhoavam por todos os modos e em todos os sentidos?!
Silencio, bocca!...
Sem credito literario diante dos meus proprios olhos—abertos pelo bom senso do typographo Gusmão; sem abono-monetario diante de todos os olhos fechados pelas minhas circumstancias; eu andava a pleno ar a procura de um meio, que me arredasse do precipicio para cujas bordas já me encaminhava—o jogo. Eu teria calado no fundo desse abysmo, se houvesse tido para a primeira parada.
Capitulos da altura deste não indigestam. Digerem como sorvas, e fazem render um livro...{65}
Todas as mulheres deviam collocar na alcova de orações um nicho, e dentro delle o busto de Aristophanes. Ao mordaz atheniense são ellas obrigadas pela reforma do meu juizo a seu respeito. Antes de lêr Lysistrata, meu pensar era que as mulheres rezavam pela cartilha da Sra. Balbina.
Emendei-me, dando rédeas ao amor.
Amei com impeto! como o leão seria capaz de amar, se as leôas das brenhas soubessem como as das cidades—encarentar favores...
O amor! o amor! Dizem que não come! se não comesse não se alojaria no coração—que fica ás portas do estomago.
Montaigne já o-chamava sêde da mocidade.
Da sêde á fome vai só um passo.
«Eu sempre ouvi dizer:—frade nem vivo,
Nem morto e nem pintado na parede.—{66}
A rasão deste dito salta aos olhos;
O que frades, outr'ora, não fizessem
Incumbir ao diabo era debalde:
E as chronicas referem muitos casos
De quináos, que ao diabo os frades deram.
Mas verdade verdade, o frade de hoje,
Labéo das frias cinzas de Epicuro,
Não chega ao calcanhar do velho frade.»
Repetindo em voz alta estas blasphemias,
Os olhos affinquei n'um poento quadro,
Meu fiel companheiro no deserto
Em que a mão da fortuna me lançára.
O quadro figurava um frei Rotundo,
Nutrido e nédio, rindo-se á sorrélfa
Da feia carantonha do diabo,
Que raivoso mordia um par de dados.
Mingúa a humanidade a pouco e pouco!
Já se não topa mais um frei Bojudo
Estillando gordura ao sol em pino.
Que ditosa panella, a de outros tempos,
Onde cahisse o lenço de Alcobaça
Que limpasse o cachaço de algum frade!
Sahia a olha convertida em banha.
Hoje o frade, sequer, sabe o Larraga
Ou Brillat-Savarin. Dantes o frade
Era um poço ambulante de sciencias.
E os costumes? e o lar? se bem me lembro,{67}
Algures li que, vós, ditosos monges,
Fostes, nas priscas eras dos conventos,
Pesadelo de todos os maridos,
E horror! horror! horror! das raparigas!
«Illustre Guardião (clamo inspirado)
Tu mais que Belphegor sagaz nos tramas,
Mais roliço e mais sabio, tu me ensina
O meio de sahir destes apuros!»
Avalie-se agora o que eram frades
Em tempos que lá vão,—que desenhados
Inda fazem milagres. Repentino
Me occorre um pensamento de alta monta.
Escrevi esta epistola:
«Senhora.—Vós sois a belleza, de mimosos contornos; eu sou o bello, de rudes musculos. Vós sois a bonina, que murcha ao primeiro raio do sol; eu sou o sol, que o diluvio não apagou. Vós sois a debil pastorinha avergada ao peso dos trevos com que se enfeita; eu sou o vigoroso camponez, que leva as costas um boi sem lhe sentir o peso.{68} Senhora! meditai nestas parabolicas palavras! e se julgardes ser a força o amparo da fraqueza, respondei em carta fechada com endereço a ***, que eu mesmo a-irei tirar da latinha do escriptorio do Jornal do Commercio.»
O remate estragou a epistola.
Eram oito horas e meia da noite, subi e desci a rua do Ouvidor.
Nenhum ignotus Deus! nenhuma mulher com cara de entender a epistola!
Mas eu confiava na inspiração!
As transeuntes levavam todas a reboque um marido ou cousa com semelhança disso.
Eram nove e meia. Ainda nada.
Mas o frade não me sahia da mente!
—Dar-se-ha o caso, reflecti, que hoje seja a noite tão sómente dos casados?
Entendamo-nos. Queria dizer, a noite de sómente passeiarem os casados; nós sabemos que todas as noites são delles, quand-même...{69}
Puz-me a olhar através dos vidros os livros expostos á venda na casa Garnier.
D'ahi a pouco, chega e pára a outra vidraça uma mulher só... Só digo eu, não contando o cãosinho felpudo, que a-seguia.
Era um animalsinho com ar inoffensivo e prasenteiro e cara de quem não aceitaria, se lhe mandassem, um cartel. Começa a mão do frade!
Olhou... olhou... (ella e não o cão), e entrou na livraria. Ouvi-a dizer em francez de Racine:
—Les Femmes, par Alphonse Karr?
—É justamente a mulher, que eu sonhava, disse a mim mesmo; mulher que lêsse o autor de La pêche.... en eau douce... et en eau salée.... Abeirei-me á porta.
Deram-lhe o livro; folheou-o, pagou-o sem questionar o preço, deu boa-noite e sahio.
Fóra da loja, tomei-lhe a frente, comprimentei-a com acatamento, rogando-lhe aceitasse a carta.
—Quem é o senhor? e donde vem essa carta? perguntou meio desdenhosa.
—É tudo um mysterio, respondi. Lendo a carta saberá.{70}
—Ah! cheira a mysterio? pois sim, dê-m'a, eu gosto dos mysterios.
Tomou-a e partio com ar senhoril. E viva o frade!
Ao desapparecer na turbamulta, aproximou-se-me um permanente pedindo-me o charuto para acender um cigarro.
—Camarada, lhe disse, eu não inventei a polvora, porque nasci depois della inventada.
Elle concordou, rosnando:
—Polvora! polvora! que diabo é polvora?
Doze horas depois fui ao escriptorio do Jornal; lá estava uma cartinha com a minha senha. Constava de duas linhas bem traçadas, quanto á essencia; quanto á calligraphia, nunca vi peóres gregotins.
«Sr. ***.—Ora queira Deus e Deus queira vos não mettais em camisa de onze varas! Rua do Conde n....»{71}
Resposta mais laconica e expressiva, só um couce, mal comparada.
Sem perder os estribos da confiança, em presença de tamanha ameaça, fui.
Eram onze horas da manhã, duas horas depois de feita a digestão dos que almoçam ás nove.
Ha trinta minutos.
—Que idade tendes? pergunta ella.
—Vinte e cinco annos; respondo.
—Como sois moço!... Meu marido morreu dessa idade.
—É lei da natureza, que se morra de toda idade.
Proferi o axioma na intenção de afugentar qualquer idéa negra, que, por ventura, viesse perturbar a interlocução.
—É facto, concordou, accrescentando, como quem a si propria dava desculpa: tambem elle era muito franzino...
E de esguelha, pela oitava vez, medio-me com os olhos de alto a baixo.{72}
Neste ensejo, tomei-me o pulso. Deitava 105 pulsações por minuto. Eu na vespera almoçára mão de vacca.
Ha dous mezes.
Deu-se garrote á prudencia.
Reina o commumnismo.
Folga Épicuro.
Vai tudo de afogadilho.
O trem assovia.
Tenha o leitor paciencia.
Escasseiam-me trégoas.
Isto é prosa.
Chamava-se Monica; nome que não anda na bocca de todos, e a essa vantagem reune a de ser esdruxulo.
Casára aos vinte nove annos de idade com um rapaz de vinte e quatro; e enviuvou{73} no anno seguinte. Tudo isto foi muito natural, sendo mais natural a morte do rapaz.
Não era bonita, era sympathica. Não era sabia como D. Maria Caetana Agnezi, mas era intelligente; e mais espiritada do que espirituosa. Neste ponto trivialissima.
Lia o portuguez corrente como um juiz de paz, e trazia o francez em sarilho. Tocava a saloia ao piano, e nutria a presumpção de saber contar.
Quando a-conheci seus progenitores já haviam levado a breca.
Pretendeu-a na viuvez um capitalista, tambem viuvo.
Monica accedeu á licita pretenção. Nas vesperas das bodas, revelou-se-lhe o noivo com queda para a literatura-funda, ao lêr um artigo, inserto não sei em qual periodico, onde, ad-rem, o escriptor citava este aphorismo de Balzac:
«Un mari ne doit jamais s'endormir le premier ni se réveiller le dernier.»
Seguia-se a traducção, o pomo da discordia: «O marido não deve pegar no somno antes da mulher e nem acordar depois della.»{74}
—Como isto é fundo! exclamou o capitalista, chamando a attenção da noiva para o conselho em portuguez.
—E o senhor, perguntou Monica, no seu tempo de casado seguio isso á risca?
—Como seguiria, se é agora que sei disto?! Ah! se eu em outro tempo adivinhára... e engasgou-se com o resto. Mas, proseguio, cá me fica no canhenho; conselhos como estes não se perdem.
Confessemos, o capitalista não andava corrente com o Codigo do Bom-Tom. Declarar á noiva que um aphorismo de tal jaez lhe ficava no canhenho, foi falta de tino imperdoavel.
Monica, que lia Alphonse Karr e tencionava dar um pulo até á França para comprimentar o autor das Guêpes, com o que o Sr. Alphonse Karr, por sem duvida, muito se lisongearia, não contendeu.
Na manhã do dia seguinte pespegou ao capitalista em carta este bofetão:
«Senhor.—Toda a noite considerei no conselho de hontem e não me convenci que seja o marido quem deva pegar no somno depois da mulher e acordar antes della, por{75} muitas e longas razões com as quaes eu encheria uma resma de papel, se quizesse argumentar. Tendo V. S. no seu canhenho, tomado nota do conselho, pol-o-ha em pratica depois de casado; achando-me em opposição a semelhante pratica, desisto do meu compromisso. V. S. está livre, disponha do seu coração. Prefiro a monogamia ás desavenças do lar.
«Sua criada
«MONICA.»
Quando um homem recebe nas bochechas um recado destes, é mister que saibam todos o seu nome.
O capitalista chamava-se Joaquim.
O Sr. Joaquim leu, releu e treleu a carta. Ao depois chamou o guarda-livros.
—Sô Pinto? chegue-se, faça favor.
Pinto aproxima-se.
—Que palavra é esta? pergunta mostrando a Pinto a segunda palavra do remate da carta.{76}
Pinto arregalou os olhos, soletrou a palavra e leu—monógámia... e repetio separando as syllabas: Mo-nó-gá-mi-a... Isto não é palavra, decidio.
—A mim tambem me parece que não é, concordou o Sr. Joaquim, cuja intelligencia dava pelo estalão da do outro.
Pinto voltou aos livros.
O Sr. Joaquim garatujou;
«Senhora.—Eu quando digo as cousas é porque sei. Não é debalde que sou viuvo. O meu pezar é ter aberto os olhos quando a mulher fechou os seus. O conselho do periodico é fundo como um poço, e os periodicos quando dizem as cousas—são como eu—sabem o que dizem. Estou no mesmo pé. A mulher ha de pegar no somno antes do marido e acordar depois delle, sem esta condição saia não me torna a entrar em casa. A palavrinha monogamia não leva a resposta devida por não ser palavra.
«E temos conversado.»
Monica revelou-me este episódio uma vez quando lhe disse andar perto de querer casar com ella.{77}
No fim da narração, pendi para a opinião do Sr. Joaquim.
Não sei porque, mais tarde, fizeram barão a este homem, que tanto senso parecia ter!
Não fui eu, propriamente dito, que cahi na graça da viuva.
Disse-me ella:
—Á primeira vista antipathisei com o teu focinho. Cahio-me no gôto o teu singular modo de amar. Fui sempre enfermiça do desejo de ser amada por um exquisito, um original fosse em que fosse. Meu marido foi um homem como os mais, media pela bitola geral. Não se lhe notava particularidade alguma, que o destacasse do chavão commum. Tu me pareceste um homem raro, a julgar pela tua carta.
E case-se um homem commum?!
—Tenho desmentido a tua espectativa? perguntei.
—Vais descahindo... vais... ha dias a esta parte: respondeu.{78}
De facto, eu descahia a ôlho.
Que querem?
L'amour use vite les hommes; il soutient longtemps les femmes...
Aphorismo é isto.
Balzac limpe as mãos á parede.
«É mais facil, diz elle, ser-se amante do que marido, por isso que é mais difficil ter-se espirito todos os dias do que, de quando em quando, amabilidades para dizer».
E quando o amante, meu caro Sr. Balzac, no meu caso, á guisa de marido, cohabita com a amante, é facil ter espirito todos os dias?
Nem uma nem outra cousa. Eu já não tenho que dizer a Monica.
No capitulo passado não briguei com ella por evitar a descripção da queréla. E se não fosse o medico, a botica, o padre, a confissão e depois o enterro, e em seguida as missas e no fim, tres dias de nôjo—matava-a neste.{79}
Uma tarde, no largo de S. Francisco de Paula, no espaço onde plantaram o actual lampeão, que lá existe com ar de vedeta desarmada, encontrando-me com o meu velho amigo Simphoriano, o unico que possuo com este nome, me disse elle:
—Que tens tu? estás pallido como uma abobora?
Simphoriano é filho de uma provincia do Norte, cujos naturaes chamam pallidas ás aboboras maduras.
—Falta de sangue, meu caro; o sangue se me aguou todo, depois da ictericia, respondi.
Elle sabia que essa doença me acommettera havia dous annos.
—E a magreza? replicou.
—Que queres? transpira-se muito neste Rio de Janeiro... o sol derrete...
—Fosse essa a causa...
—Não sei de outra.
—Disse-me o Patricio (Patricio era um trocatintas do meu conhecimento), que tu sacrificas em demazia ás graças...{80}
—És tu quem sacrifica a verdade á peta, trepliquei, pelo gostinho de alardeares certa illustração. Quem ainda não sabe que Platão aconselhava ao discipulo Xenócrates, austero, como Newton, nos costumes, a sacrificar ás graças? Ouve o que do mesmo Xenócrates disse o padre José Agostinho na Viagem extatica:
«Da belleza inimigo e da ternura,
Xenócrates descubro austero e triste,
Vergonhoso baldão da especie humana,
Que nem ao vivo scintilar de uns olhos,
Nem ao mago sorriso deslizado
De um labio, côr de purpura, ou de rosas,
Ou aos aureos anneis de tranças de ouro,
Da natureza escuta a voz suave,
E sopro avivador, que atêa o fogo,
Tão grato ao coração, que é delle a vida;
Fogo, que até do mar no abysmo fundo
Sujeita a seu imperio equóreos monstros,
E a sanguinario tigre, indocil sempre,
Amar ensina, e conhecer ternura.»
—Isto disse o padre, como entendedor que era, na Viagem extatica que, ao depois, crismou com o nome de Newton emendando entre outros, este verso, que tu nem ninguem recitará sem ao principio latir o seu pouco:{81}
OU AOS AUREOS—anneis de tranças de ouro.
—Concorda, prosegui, não me achaste descalço. Agora o suppores que abuso do sacrificio é outro engano. O nequid nimis—equivalente ao preceito de Hippocrates:
«Omne nimium naturae inimicum est» foi sempre a minha divisa.
Houve excepção....
Simphoriano ia tomando a mão.
Atalhei-o, já esquentado.
—Andas sempre a prasmar contra os que sacrificam ás graças. Quererás ser tido na conta dos ditos Xenócrates e Newton ou de Kan, Vico, W. Pitt ou Carlos XII?
Pensas que ignoro que Mirabeau morreu aos quarenta e dous annos em consequencia do abuso desse sacrificio e que pela mesma consequencia morreria Bichat, a quem Bourg levantou uma estatua, se não morresse em 1802 aos trinta e um annos, da queda que deu descendo as escadas do Hotel de Dieu cujo medico era? Vês que ás apalpadellas não ando nos factos da historia, e será bom que percas o sestro de literato á la violeta.
Com effeito, Simphoriano era boa creatura,{82} mas não soltava tres palavras sem citar dous ditos ou nomes de homens celebres, seus conhecidos—pelos catalagos dos livros.
E eu sem saber o cabo que darei a Monica?!
—Estás sufficientemente barbado, proseguia de outra feita o meu amigo. A ultima de mão que a natureza dá ao homem são as barbas....
Isto dito em francez—passava a proverbio.
—Portanto, continuava elle, és homem feito, em todos os sentidos.
—Em sentido algum, nunca deixei....
—Não me atrapalhes e nem comeces a zombar, senão, calo-me. Trata-se de cousa séria; sou mais velho, sou teu amigo, ouve-me.
—Sou todo ouvidos, falla.
—Bem. Estás perto dos trinta annos...
—Cinco annos distante...
—Aos vinte e cinco já se tem andado quazi meio caminho da vida. Na outra metade{83} precisamos pôr todo o cuidado. D'aqui a vinte e cinco annos serás velho, e esse espaço de tempo, além de curto, passa com a velocidade do vento. Em que te occupas presentemente? Dás pasto á ociosidade abusando da tua compleição.... vives, portas a dentro, com uma desgraçada, que te suga a seiva da mocidade e até os brios...
—Alto lá....
—E os brios, sim. Que esperas do futuro? o menospreço publico—a mais digna herança dos chichisbéos....
—Perdôa-me, atalhei-o, senão arrebento. De accordo com o Diccionario do amor, chichisbéo é, commummente, um celibatario maduro, namorador assiduo, servo de uma mulher casada com todos os onus do marido, excepto os lucros... Ora;—não me deves metter na conta dos celibatarios, por que, ha dous dias, posso dizer, cheguei á idade rébora, juridicamente fallando; e quanto á graça a quem sacrifico é viuva e o homem, que foi seu marido, já está livre dos onus... Applica-me outro substantivo, menos esse.
—Como enxergas tudo, rematou Simphoriano{84} murchamente, pelo prisma da facecia, tua alma—tua palma, adeus.
E desappareceu na primeira esquina da rua o unico amigo, que eu possuia com aquelle nome.
Cocegaram-me o arrependimento aquellas palavras.
Cocegar era o unico verbo cuja falta se sentia na lingua portugueza. Criei-o, ahi fica. Não m'o-estraguem.
Percorri com os olhos o horizonte do meu futuro. Trevas e só trevas... nenhum vagalume, no espaço!
Cheguei a casa com vontade de brigar.
Monica, que não levou ainda a breca, estava risonha, como um dia de primavera.
Eu levava o inverno dentro d'alma.
—Chegas a proposito, disse acariciando-me; lê esta cartinha.
Tomei-a e li sem desfranzir as sobrancelhas:{85}
«Senhora Dona Monica.
«Participo-lhe, para seu castigo, que tirei o diploma de barão, ficando a senhora sem ser barôa por querer pegar no somno depois de mim...»
—De quem é esta carta? bufei, arremessando-a precipitadamente ao soalho, sem terminar a leitura.
—De quem ha de ser? do Joaquim, respondeu Monica.
—Qual Joaquim?
—O Joaquim do aphorismo, aquelle capitalista... mas estás pallido e a ranger os dentes! que tens?
—Remorsos, senhora! respondi já de cothurnos. Remorsos, perfida, tres vezes perfida! Era assim que tu correspondias ao meu amor! era assim! entretendo relações pela surdina com esse Sr. Joaquim, que já é barão! Com que cara hei de sahir á rua?!
—Vossê endoideceu, homem! diz ella, rindo-se a bandeiras despregadas.
—Doido!... sim, mulher, endoideci... com um endoideceu é que se desculpa o escandalo!!{86} Mulheres! mulheres! todas são a mesma estampa...
—Com flores o punhal disfarçam rindo!
—Ande vêr a minha mala, senhora, quero sahir desta casa...
—Qual mala nem pêra mala! objectou com despreso ironico; vossê quando entrou nesta casa não trouxe a mala, se é que algum dia a-teve.
Tolerei a vergalhada sem replicar.
—Quer sahir, saia, proseguio, ingrato de um dardo! não me deixa saudades; e saiba que já não estou em Paris por sua causa; ainda tenho com que pagar a passagem.
—Pois, não a-demorarei mais. O paquete parte a vinte e cinco, estamos a dezoito, sobejam-lhe sete dias para arrumar os bahús. Boa-viagem. Se encontrar no Mabille o Alphonse Karr, dê-lhe lembranças minhas.
E sahi.
E lá vai a Monica...
Cahia a noite e a chuva.{87}
Não se me dava a queda da noite, importava-me a queda da agua.
Eu não tinha guarda-chuva.
Identificando o corpo com as paredes das casas, cheguei ao Restaurant do Mangini ensopado como uma garoupa de escabeche, pois que fallei em restaurant.
Por felicidade das tres quatro partes do genero humano, se a agua da chuva tem a propriedade de ensopar o facto, este tem a de enxugar passado o preciso tempo. Panno para mangas tinha eu aqui, se quizesse mostrar até onde chego em physica.
Assentei-me junto a uma meza, onde não dava em cheio a luz.
Nenhum dos caixeiros do estabelecimento fez conta da minha humida-individualidade.
Cheguei no momento em que um sujeito, galhardamente vestido á moderna, travava razões com um dos caixeiros. Dizia elle, calçando as luvas e olhando de travez para a nota da despeza, que fizera:
—Oh! senhor! esta conta está exacta? em que despendi essa enorme somma? nem no hotel da Europa.
—V. S. veja a lista, acodia o caixeiro.{88}
—Vêr o que, homem? pois eu quando como, olho lá o preço das iguarias? peço o que quero, porque não venho a estas casas comer de graça, fique sabendo, mas isto é um roubo.
—Confira pela lista e verá que lhe não levamos um vintem de mais...
—Não sou conferente de casas de pasto, ouvio? bradou o homem com nobre altivez. Confira vossê.
O proprietario do estabelecimento que se achava ao balcão, dirige-se ao cavalheiro, e com bons modos, lhe disse que se não amofinasse, que a conta estava exacta, mas se não queria pagar—seria o mesmo.
—Tenho muito dinheiro, alardeou o freguez; não preciso do seu jantar. Nem ando comendo nos botequins; se entrei neste, antes foi para esperar que passasse a chuva do que para outro fim. Almoço, janto e ceio no hotel da Europa, porém, não quero ser roubado, não estamos na Siberia.
Ein, Siberia?
—Pois, senhor, a chuva já passou, V. S. não deve nada, respondeu o proprietario.
—Então, não reforma a conta?{89}
—Está exacta.
—Ah! está exacta! pois sim, já disse que não estamos na Siberia, adeus.
E partio.
O dono da casa aproximou-se-me dizendo;
—Veja isto; um homem, que calça luvas de pellica, almoça, janta e ceia no hotel da Europa, sahe d'aqui deixando o debito de dous mil setecentos e sessenta réis. Ha de vêr que é sustentado por alguma...
Não o-deixei acabar, todo o corpo se me arrepiou...
—Um calix de cognac!
Sorvendo a ultima gota do licor, affigurou-se-me Monica arrumando as malas.
—Monica vai para Paris, disse entre mim. O Sr, Joaquim já é barão... e eu aqui fico, sem eira nem beira... nem ao menos sou commendador!... Paris! todos fallam em Paris e eu mesmo já o-descrevi em verso, sem ainda lá ter ido:{90}
Paris! Paris! Paris! terra de encantos,
Eterno, ebri-festante paraiso,
Aonde os risos de prazer são tantos,
Que só é sério quem não tem juizo!...
As melhores descripções são devidas aos que pintam lugares, que nunca viram. Isto já passa em julgado e, passará a anexim, quando apparecer o meu romance passado om Djirjeh, no alto Egypto, aonde não pretendo jámais pizar.
Decidido a mudar de rumo, fui levar essa nova a Simphoriano.
Entrei pé ante pé. O meu amigo estudava. Simphoriano ainda acreditava que, para se saber alguma cousa, fosse mister—queimar as pestanas. Toleirão por esse lado.
Não se convencia que a sapience-moufle do filho de Gargantua é a que mais apanha neste abençoado torrão, aonde de meia em meia braça se esbarra a gente com um Dr. Tubal Holoferne.{91}
Isto não offende a ninguem... É pura inveja.
—Boa noite, Simphoriano!
—Ah!... Sê bem vindo.
—Deus te pague. O que fazes?
—Nada; estou lendo.
—A Historia de Cezar, por Napoleão?
—Leio Humboldt.
—Perdes o tempo: Humboldt não sabia nada, foi um pessimo copista de Plinio.
—Sim? quando leste Plinio?
—Nunca, e nem Humboldt e nem precisava para formar o meu juizo.
—Achaste a pedra philosophal?
—Nem nada. Ouvi dizer que Plinio estudava a natureza; depois me disseram que o mesmo fez Humboldt. Logo, tudo quanto este fez copiou do outro, isto é logico. Seja lá no que fôr, segue este methodo e farás figura, passando por sabio. Ideias associadas, Humboldt foi barão e o Sr. Joaquim{92} tambem já o-é. E, passando a inscrever o nome na nobiliarchia deste Imperio, julgou-se com direito de enviar um epigramma á graça á qual não sacrificarei mais, o que te participo, sob a condição de uma hospedagem por esta noite, senão vou dormir ao relento.
E narrei o succedido.
Simphoriano pulou de contentamento.
Fallou em regeneração (palavrinha a mais elastica dos tempos modernos), citando todos os moralistas das cinco partes do globo, inclusive um poeta de nome Sadi ou Saadi, que elle jurou ser perso e eu suppunha italiano, por acabar o nome em—i.—
Prasmou contra o meu passado aconselhando-me a cuidar do futuro.
—Vejo por ahi muitos futuros á feição do meu desejo, mas os homens não me protegem.
—Homem, sentenciou o meu amigo, é aquelle que é o que quer ser e não o que os outros querem que elle seja. Toma nota disto. Arrima-te na perseverança; faze della bastão e caminha. Caminha... e se encontrares obstaculos, que te empeçam os passos,{93} desanda-lhes a perseverança. Tornam a apparecer adiante? torna a dar. Dá, dá de rijo, dá a valer, não te doam os pulsos e verás se chegas a ser o que quizeres.
Copiei a receita para matar os obstaculos, mas em vez de bastão comprei um guarda sol, que tambem guarda da chuva e serve de bengala sendo preciso.
Por desobriga de minha consciencia, respondi á mofa do Sr. Joaquim. Exigia a lembrança do passado que eu vingasse a viuva da affronta do capitalista. Mandei-lhe a resposta. Ignoro se elle a-recebeu e se Monica chegou a ter conhecimento da remessa feita em seu nome.
Disse-lhe:
Illm. e Exm. Sr. Joaquim, barão.
«E tenho observado que, ha trinta annos a esta parte, essa molestia (empanturração) só aos burros cançados e a certos barões acommette... (Dr. Gomez d'Eça. Art. Veterinaria;{94} cap. XXV, § II—; edição de Simão Thadeo Ferreira. Lisboa 1718)»
Sua criada
«MONICA.»
E ficamos, de uma vez para sempre, livres della e do barão, que já se me ia apegando.
Abrenuntio!
Até esta data, comigo ainda não se verificou a sentença si vis potes. Ha quatro annos—quero—succeder na herança de uma velha rica e nenhuma ainda morreu, que se lembrasse de mim. Isto é o menos.
Quero—que o tabellião, em cujo cartorio sou copista,—augmente dez vintens no meu salario de mil réis e em vão tenho querido isto—ha quarenta e oito mezes.
Não obstante, vislumbro ainda muitas esperanças, mormente, quando considero que o mesmo Simphoriano quiz ser e foi condecorado pelos relevantes serviços, que prestou ao Brazil no Paraguay aonde nunca poz os pés!... (É facto).{95}
Tambem o padre Severino quiz ser vigario e foi,—e a população da freguezia... cresce...
Agua vai!
Quem em dias de sua vida não pregou um calote?
Esperava o leitor que os meus conhecidos morressem apunhalados, e, sabidas as contas, apenas falleceram dous, em consequencia dos remedios das boticas!
Fallei em bodas e o Sr. Joaquim roeu-nos a corda.
Moraes no seu diccionario, a proposito da palavra—boi, cita estes versos:
Coisas ha hi que passam sem ser cridas,
E coisas cridas ha nunca passadas...
E eu, a proposito do amor, fui mais laconico que o veni, vidi, vici; tantas vezes citado e nem uma só comprehendido!
Puz em scena um enthusiasta do genio e não me referi ao—stultorum infinitus est numerus de Salomão!{96}
Abiquei o Parnaso e não arenguei á cerca da impropriedade deste decasyllabo de Francisco Manoel:
Capri-barbi-corní-pedes-felpudos!
Agatanhei Plinio e não trouxe á balha o livro 7.º cap. 9.º onde diz que a—gloria para uma mulher é suspender das orelhas duas perolas!
Notei Pantagruel e não aproveitei este remate de um discurso, (vai a um de fundo):
dos
poros
dos
nossos
corações,
transuda
a
mais
pura
essencia,
que
póde
ser
respirada
pelo{97}
olfacto
da
patria;[3]
para analysar o Tratado do Sublime do conselheiro da rainha Zenobia!
Embarquei Monica para a França e não lhe besuntei os labios com o adeus de Scipião ao sahir de Roma:
Ingrata patria, non possidebis ossa mea!
Tropecei no commumnismo e nem patavina com referencia á Republica de Platão, ou á Utopia do Moro, ou á Civitas solis de Thomaz de Campanella, o Calabrez, que nunca li.
Obviei... É tarde.
Ah! se não fosse tarde! Só na applicação, que Monica fez da palavra monogamia (que não é palavra, conforme decidiram o capitalista e o seu guarda-livros), tinhamos materia para um in-folio, se, ácinte, eu pretendesse revoltar contra mim trezentos e sessenta e cinco doutores, pelo minimo. Mas é que tenho teiró ás inimizades.{98}
E os plagiatos? Neste ponto o reverendo padre Severino fôra como um Potosi. Tem-lhe custado caro alguns! Rendeu-lhe, por exemplo, tres mezes de cama esta odesinha copiada, assignada e enviada a quem não a inspirara.
A M....
(O original dizia—A R....)
Não cumpriste o promettido,
Teu marido,
Teu marido t'o-privou!
Não te salva essa desculpa...
Teve a culpa,
Teve a culpa—quem faltou.
—
Teu marido... oh que embaraço
Erro crasso;
Erro crasso, e provo-o já;
Elle velava ou dormia:
Que fazia?
Que fazia, dize lá?
—
Se velava e... cobiçoso...
Desejoso...
Desejoso em... te ameigar...
Entre os braços te-prendia;
Não podia,
Não te-podia... obrigar...{99}
—
Se dormia—estava morto.
Franco o porto...
Franco o porto estava então...
Mas, não dormia; velava,
Devorava...
Devorava o meu quinhão...
—
Adormeceste cançada,
Fatigada,
Fatigada... Deus do Céo!
Elle tambem—fatigado,
Do seu lado,
A teu lado adormeceu!
—
E eu? lá ao sereno exposto!
Dando o gôsto,
Dando o gosto ao meu rival,
De me vêr magro... e desfeito,
Pelo effeito,
Effeito... da catarrhal!
—
Não cumpriste o promettido!
Teu marido,
Teu marido t'o-privou;
Não te salva essa desculpa:
Teve a culpa
Quem com elle se fartou...
Pobre pastor!{100}
Verificou-se-lhe no lombo o rifão—guardado está o bocado para quem o hade comer.
Eu compuz as estrophes e elle comeu a... sova!
Antes assim! que lhe faça bom proveito.
......
Leitor!... talvez não acredites e no entanto assim é: vou passar a limpo uma escriptura!
Se alguma vez eu escrever as minhas aventuras, abarrotar-te-hei de pasteis....
P. S.
POSTERIDADE!
—Fallei a puro esmo em quanto disse.... da minha pessoa. Quando escreveres a minha biographia procura em outra fonte os apontamentos, senão irás de gatinhas como até esta data em todas as mais... tens ido.
FIM.
[1] E se ha ahi quem saiba de algum remedio, que repare essa doença, annuncie pelos jornaes, por especial favor a uma creatura sugeita, desde aquella época até hoje, aos seus accessos.
[2] Quartinho escuro onde se guardam viveres. Em a dona da casa sendo desconfiada é difficil perder a chave.
[3] Vide supplemento do Jornal do Commercio de 16 de maio de 1866, correspondencias do Norte.
End of the Project Gutenberg EBook of Memorias de um pobre diabo, by Bruno Henriques de Almeida Seabra *** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK MEMORIAS DE UM POBRE DIABO *** ***** This file should be named 31906-h.htm or 31906-h.zip ***** This and all associated files of various formats will be found in: http://www.gutenberg.org/3/1/9/0/31906/ Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images of public domain material from Google Book Search) Updated editions will replace the previous one--the old editions will be renamed. Creating the works from public domain print editions means that no one owns a United States copyright in these works, so the Foundation (and you!) can copy and distribute it in the United States without permission and without paying copyright royalties. Special rules, set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to copying and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to protect the PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark. 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The Foundation's EIN or federal tax identification number is 64-6221541. Its 501(c)(3) letter is posted at http://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent permitted by U.S. federal laws and your state's laws. The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S. Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered throughout numerous locations. Its business office is located at 809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email business@pglaf.org. Email contact links and up to date contact information can be found at the Foundation's web site and official page at http://pglaf.org For additional contact information: Dr. Gregory B. Newby Chief Executive and Director gbnewby@pglaf.org Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide spread public support and donations to carry out its mission of increasing the number of public domain and licensed works that can be freely distributed in machine readable form accessible by the widest array of equipment including outdated equipment. Many small donations ($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt status with the IRS. The Foundation is committed to complying with the laws regulating charities and charitable donations in all 50 states of the United States. Compliance requirements are not uniform and it takes a considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up with these requirements. We do not solicit donations in locations where we have not received written confirmation of compliance. To SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any particular state visit http://pglaf.org While we cannot and do not solicit contributions from states where we have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition against accepting unsolicited donations from donors in such states who approach us with offers to donate. International donations are gratefully accepted, but we cannot make any statements concerning tax treatment of donations received from outside the United States. U.S. laws alone swamp our small staff. Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation methods and addresses. Donations are accepted in a number of other ways including including checks, online payments and credit card donations. To donate, please visit: http://pglaf.org/donate Section 5. General Information About Project Gutenberg-tm electronic works. Professor Michael S. Hart is the originator of the Project Gutenberg-tm concept of a library of electronic works that could be freely shared with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support. Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S. unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily keep eBooks in compliance with any particular paper edition. Most people start at our Web site which has the main PG search facility: http://www.gutenberg.net This Web site includes information about Project Gutenberg-tm, including how to make donations to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks.